Turner, Monet

ART ESSAYS

Betina Juglair

5/5/20232 min read

Não há quem pinte atmosferas como o Turner.

Foi um bonito encontro, um encontro de almas, com o perdão da pieguice. A minha, que convoca a lembrança da cadeira dura, desconfortável e rabiscada das aulas de história da arte no anfiteatro da UFPR, dos bonitos tempos de estudante; com a da obra, com um trem eternamente a cortar uma névoa densa, a apitar desde longe, passagem que rasga a paisagem, madrugada cinzenta e amarela. Uma manhã qualquer, nítida e embaralhada; muito claramente a vejo aqui em frente, muito claramente vejo Turner, vejo seu corpo fazendo e recebendo o apito do trem e o frescor da névoa úmida. Eu chorei em frente a Turner, coisa da memória e de ver a coisa. Não há quem pinte atmosferas como o Turner.

Rain, Steam and Speed - The Great Western Railway (1844)

Ulysses deriding Polyphemus - Homer’s Odyssey (1829)

Joseph Mallord William Turner (1775-1851)

Monet, na sala ao lado, decidiu pintar o mundo através de uma lagoa. Pelo resto da vida a pintar o mesmo motivo, numa busca eterna em que o que buscava era o próprio gesto pictórico, a própria efemeridade. Monet nos deu, nos seus últimos anos de vida, de tantas maneiras diferentes, a sua própria existência mergulhada nas cores e movimentos (e cor é movimento) que via na superfície do lago. Sem perspectiva, sem horizonte, a pura sensação.

Que sensação? Os nenúfares de Monet, o seu mundo feito em lago, seriam um suspiro e símbolo da paz no pós-guerra que afundou a Europa em fome, medo e milhares de mortes. Mal sabia que essa paz era frágil, como toda sensação, como todo movimento. O pós-guerra em verdade era um entreguerras, e Monet pintou esse “entre”. No horizonte se entreviam mais conflitos, mas aqui, com os nenúfares de Monet, com as águas do lago que via todos os dias, neste entretempos, não há horizonte algum. E é bom que não haja, às vezes. Os nenúfares engolem toda a sala.