Fátima, José, Vicente - Residir (PT)

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5/15/20233 min read

O projeto Residir traz residências artísticas conectando arte e comunidade na cidade do Porto, Portugal. A edição de 2021 selecionou 10 artistas e foi focada em duas regiões: Bonfim e Campanhã.

Minha abordagem à residência em Campanhã foi entender e sentir o território de São Vicente de Paulo, que já foi um bairro social. Através do contato com antigos moradores e de mergulhar em suas histórias e álbuns familiares, conseguimos saber mais sobre o bairro.

Construído nos anos 1950, o São Vicente de Paulo teve centenas de pessoas a viverem lá, num estilo de vida tão simples quanto afetuoso; apesar da pobreza, as pessoas conheciam as famílias inteiras umas das outras, engajavam-se nas vidas umas das outras de modo genuíno e cotidiano, criavam apelidos, festejavam juntos, celebravam grandes momentos como casamentos e nascimentos, etc. As pessoas eram próximas e viviam como uma grande família, com a proximidade e conflitos que advém.

Problemas sociais existiam no bairro, como pobreza e abuso de substância, especialmente com álcool (que piorou conforme passaram as décadas), mas a Câmara da cidade começou a tratar como um problema maior do que realmente era e usou como um pretexto para demolir o bairro inteiro em 2007. Nos anos anteriores, as pessoas foram sendo desalojdas e forçadamente realocadas em outros bairros (por vezes realmente longe), enfraquecendo as amizades e laços sociais forjados no bairro. As poucas pessoas que permaneceram próximas ao bairro presenciaram a demolição com corações pesados e lágrimas nos olhos.

Em 2021, no mesmo mês em que começamos a residência, nos deparamos com protestos de antigos moradores do bairro por conta da aprovação de um novo projeto habitacional no mesmo sítio; mas estas habitações não eram acessíveis e não tinham em conta os antigos moradores como prioridade. Na verdade, as realocações foram estratégicas, porque Campanhã passou a ser um ponto de interesse: devido ao seus ótimos acessos à autoestrada, a proximidade com a estação central de comboios e a nova estação de autocarros, mas também pela vista privilegiada do rio.

Os pobres não podem ver o rio?
Enquanto o Porto progride em direção ao reconhecimento internacional e o turismo floresce, as pessoas que ajudaram a construir a cidade são deixadas para trás; não há interesse público em crirar uma solução social ao crescente problema habitacional, cada dia mais preocupante e atingindo níveis insustentáveis. O território nunca é neutro, e estamos a lidar com pessoas reais, com suas histórias, famílias, alegrias e laços.

Meu trabalho artístico na residência foi profundamente tocado e conectado pela história do bairro São Vicente de Paulo, especialmente através das vidas e experiências de Fátima e José, antigos moradores. Com uma generosidade muito apreciada, eles partilharam seus álbuns pessoais das suas vidas no bairro.

As fotos de Fátima e José foram relacionadas entre si e com as várias temporalidades do bairro, em que ele próprio, Vicente, é também um personagem: desde sua construção, depois com plena habitação e vida, até o momento atual após sua demolição em 2007. O bairro tem memória, tem histórias e tem vida, e o vazio atual do espaço é apenas superficial e não corresponde a um vazio da memória.

A partir da estampagem destas imagens em tecido, há manipulações com cores e padronagens, linhas conectando memórias numa instalação que remete a um estendal. O álbum de família é a um só tempo algo particular e uma experiência partilhada, e sua apresentação em estendal remete a um objeto comum e doméstico.

Histórico Expositivo: “Fátima, José, Vicente” esteve na CRL (Porto) na exposição Curva, para marcar a finalização do programa Residir, entre 09-23 de outubro de 2021. Esteve no Centro Cultural de Atletismo do Bonjóia (Porto), em 24 de outubro de 2021, através do Projeto Erre (CRL). Por fim, esteve exposto no Espaço Mira (Porto) no evento: “Arquivo, espaço e memória : conversa com Betina Juglair e Flora Paim” a 2 de dezembro de 2021.

Ficha técnica: 14 peças de dimensões variáveis, 2021. Técnica mista, estampagem de fotografias sobre tecido, intervenções com corte, linha, tecido, alfinete e agulha.