Modos temporários de desativar um corpo civilizado

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Betina Juglair

10/29/20192 min read

Modos temporários de desativar um corpo civilizado: Máquina Êxtase, de Maikon K

Apresentado na Central Elétrica - Porto, 29 de outubro de 2019

Há um medo novo impulsionado por acontecimentos recentes que vem complexificar nossa relação com um tema tabu: a saliva. Até pouco tempo, não sabíamos o quanto se espalhava esta secreção quase invisível, o tanto contato que temos com algo que nos parecia tão íntimo; trocar saliva, até então, acreditava-se ser algo limitada ao beijo e práticas sexuais, intimidade consentida e compartilhada. Desde que se soube seu real alcance, sua viva presença a pairar invisível no ar e a pousar imperceptível nas superfícies, uma saliva atravessada é um sacrilégio, soam ao fundo as cornetas do apocalipse, banha-se em álcool gel até rasgar a carne.

É verdade que nossa relação com a saliva mudou com o tempo: embora nos cause certo constrangimento a cena de senhores a cuspir na rua, são resquícios de eras em que escarrar era prática comum e pública. No Ocidente, no período que se convencionou chamar Idade Média, o ideal era que não se cuspisse em cima da mesa (o que se supõe que abaixo ou ao lado não era um problema), enquanto na modernidade aristocrática dos salões e gentlemans os manuais de comportamento sugeriam que não se escarrasse muito e nem tão longe para que precisasse procurar o conteúdo e pisá-lo. Dado que prática de cuspir livremente parecia inevitável (inclusive no chão e móveis), a invenção e proliferação dos escarradores (spittons) no século XIX pode ser vista, ao mesmo tempo, como medida social em sintonia com o processo civilizador e também como domesticação e contenção de corpos e suas secreções - afinal, ambas coisas andam juntas, mesmo necessidades biológicas são moldadas por conformações externas.

Ainda que a nós, habitantes do século XXI, nos pareça aberrante o prévio uso de baldes para se cuspir em espaços públicos e privados, o cuspidor foi invenção primeiramente pensada como medida social, sendo prática posteriormente mantida por preocupações higiênicas e sanitárias (como para o controle do contágio da tuberculose). Se hoje os escarradores são peças de museu é porque está em curso, desde que há agregações humanas, um processo coletivo, milenar e ininterrupto de convivência: fomos domesticados para o social, um processo nuançado e sempre em curso. É verdade que os benefícios do processo civilizador ultrapassam as perdas, embora seja também preciso identificar de que perdas se tratam para se ter consciência que a civilização é coisa construída, portanto mutável.

Encontramo-nos em um cenário mundial de rearranjo de corpos e objetos no mundo (outro passo no processo civilizador) apenas para evitar o menor respingo de secreção bucal, que potencialmente contém um vírus contagioso e mortal: usam-se máscaras, luvas, viseiras, todo tipo de aparatos de proteção, álcool-gel, lavagem adequada das mãos, testes científicos para saber quanto tempo vivem os seres mortos-vivos microscópicos que viajaram o mundo todo, de saliva em saliva, até estarem potencialmente em toda parte, de Wuhan - China à Pato Branco - Brasil. Instaurou-se o caos, recessões econômicas, reordenação de modos de vida, comunicação, trabalho e afetos, tudo porque ignorávamos até então o poder que habita em nossas bocas, se renova e se desloca, nossa saliva.

Assim que, se em fins de 2019 a saliva como motor propulsor de uma performance já causava arrepios de desconforto, impossível pensar que contornos tomaria se apresentada hoje, meses depois; tanto mudou em tão pouco tempo que é difícil prever quando, e se, a performance Máquina Êxtase, do artista brasileiro Maikon K., será apresentada novamente, ao menos nos mesmos moldes que o foi em 29 de outubro de 2019, no Espaço Circolando, localizada no CACE Cultural, em Porto. Tal apresentação foi mostra de processo fruto de uma residência realizada no local pelas semanas anteriores, e em março de 2020 o artista chegou a realizar algumas apresentações num formato levemente distinto em Curitiba - BR, já sem o potente “prólogo” que se fez presente em Porto: como ato primordial, Maikon convidou os presentes, em torno de 35 pessoas, a doarem suas salivas, pedindo para que cuspissem em um copo o tanto que desejassem. Com o copo em mãos, engoliu tudo, até a última gota.

Maikon K. é artista centrado em artes performáticas e licenciado em ciências sociais. Através de técnicas corporais e com influência de rituais xamânicos, há 15 anos pesquisa modos de alterar a consciência através do corpo, suas infinitas possibilidades e expressões, assim criando outras realidades e percepções. Não faz arte tímida: em suas performances há sempre tensionamentos dos limites e lugares da arte e do corpo, e isto incomoda. Tanto é que em 2017 chegou a ser detido pela polícia e levado à delegacia acusado de ato obsceno, ao apresentar DNA de Dan, em frente ao Museu Nacional da República, em Brasília - BR. A obscenidade do artista foi sua nudez: em um espaço-bolha transparente, espécie de habitat fechado natural-futurista, a performance consistia em ter seu corpo envolto apenas por uma substância-membrana transparente, que com o tempo dificultava sua respiração, até que se partia e descamava, como uma serpente (“Dan”, em dialeto africano antigo), o que catalisava um ritual-dança animal. Em tal performance, uma das escolhidas por Marina Abramovic para a mostra Terra Comunal, no SESC Pompeia, São Paulo, em 2015, o que incomodou foi precisamente o corpo e a nudez que ousa não ser pornográfica.

O trabalho de Maikon carrega uma espécie de aura profana: há uma força inominável na presença de seu corpo, que se movimenta lento, em cadência ancestral; assim, aproxima-se mais de uma vertente de performance alinhada ao ritual, como o acionismo vienense, mas com diferenças substanciais: não há uma estética radical do sacrifício, Maikon potencializa seu corpo com a intensidade espiritual do xamanismo, uma de suas influências mais pulsantes. Também confere ainda mais ênfase no corpo, sem recorrer a muitos elementos externos: em Máquina Êxtase havia uma cadeira, um copo, roupas, e o resto era corpo: do próprio Maikon e do público, ao mesmo tempo espectador e partícipe por oferecer saliva.

A saliva compartilhada serviu como substância ativadora de um processo performático-xamânico, tal como o pó da yãkõana faz descer os espíritos ancestrais yanomami nos rituais da tribo. Sentado, Maikon bebe a saliva comunal, que age como uma droga e desencadeia um processo: transforma-se em puro corpo, dessubjetiva-se, deciviliza-se, perde a linguagem, perde a memória do corpo, do que é sentar-se, do que é roupa e cadeira, do que é o outro; só há puro corpo que tateia o mundo. Sentado na cadeira, estranha a própria postura reta e o olhar direito: o corpo rejeita a ordem que a cadeira impõe e se contorce, as pernas tremem, o olho passa a olhar sem ver.

O corpo à minha frente está, o tempo todo, a produzir saliva e a brincar com ela: já não a contém nos limites da boca, mas está sempre a vazar, há um constante fio de baba pendente, cai pelo torso, a mão brinca, chega ao pênis. O corpo, conectado à cadeira, movimenta-se, projeta-se para frente e para trás, lança para longe a própria saliva; é interessante o efeito da luz na saliva projetada, por vezes causa certas iluminâncias, brilhos ocasionais naquela cena tão estranha. Eu, sentada no chão porque não havia cadeira disponível, bebia uma cerveja enquanto assistia a cena, e, consciente da minha própria saliva que boiava e se misturava ao líquido da garrafa, sentia estranhamento no meu corpo: parecia que não havia modo confortável de ser e estar, desconforto reforçado pela leve sensação de embriaguez. Meu corpo civilizado via este outro corpo desabituado ao mundo e eu sentia o estranhamento no tecido da roupa que me encobria, na minha postura, no modo de ver e sentir minhas próprias secreções, funções naturais; ali, o corpo performático que se mostrava sensação e presença desnudava uma série de camadas de sociabilidade que revestiam o meu próprio.

O olhar que provém do corpo à minha frente já não busca reconhecimento, não visa o outro, mas olha pra dentro; é um olhar sem ver, catártico, errante. A visão não é mais sentido primordial, passa a ser o tato, o sentir com a pele, percepção de corpo todo exceto o olho, que embora esbugalhado e sempre se mexendo nada parece ver. Tatear é algo intuitivo, de ordem interior, mas também implica presença: tato-contato, interação, a pele visa algo além de si. O êxtase, que a performance traz no nome, não vem necessariamente do prazer, mas do excesso: êxtase é o que sai, extrapola, deforma, torna irreconhecível, é ser tanto do mesmo até tornar-se outro. Assim, o êxtase é sensação de extrapolamento do limite do eu, de modo quase paradoxal: faz o corpo sair de si de tão interior, ultrapassar-se.

O corpo do performer, depois de brincar com a cadeira, de repente cai para trás; um pouco depois, reencontra o mesmo objeto “cadeira”, mas com uma abordagem distinta: o público sabe do objeto e seus usos, vê sua forma e matéria, mas para aquele corpo decivilizado é um território sem nome - ao corpo zero não há linguagem, nomes e conceitos lhe são estranhos. Mas há algo ali, há um objeto cuja forma é percebida por contato, por interação: corpo estranho, não vivo, não se movimenta, embora tenha pernas frias, duras, cilíndricas. Isto não é o olho que diz e informa, mas é o corpo que explora e descobre através de suas extremidades, superfícies e reentrâncias: mão, perna, cabeça, boca, saliva, barriga, ânus.

O corpo todo toca e é tocado, o corpo sai de si e retorna, seja pela saliva incontida que jorra em excesso, seja pela interação com frio metálico da perna da cadeira, que a mão encontra e compara com o próprio pênis, como se estivesse a sentir pela primeira vez diferenças de textura, de calor, de matéria. O corpo continua sua exploração, que embora envolva os genitais, é de um erotismo recoberto de ingenuidade, de descoberta. Eventualmente o ânus encontra a perna da cadeira, o corpo descobre que outro corpo ali cabe, mas não é um corpo que deseja, porque o desejo implica (in)consciência, e diante do público está um corpo sem nome, sem passado, sem memória, sem linguagem, sem sociabilidade ou civilidade: um corpo que sente (seja prazer ou estranhamento), que ainda que performe ato sexual é incapaz de desejar. Ligado à cadeira, o corpo geme, mas um gemido como um mantra ancestral, contínuo e catártico, como o próprio olhar sem rumo. Por fim, sentado com o corpo virado para o fundo e com a cabeça pendente para trás, o êxtase final: numa cena potente, a saliva escorre contínua pelas bochechas até encontrar e encher os olhos.

Em Máquina Êxtase há um ritual, mas não de sacrifício ou mutilação, tampouco de celebração ou festa: o ritual performado era de descobrimento, estranhamento, escuridão, como se o público olhasse para o abismo de um corpo, nem totalmente humano nem totalmente animal, e recebesse de volta um olhar vazio, que visa a própria interioridade. Neste sentido, a performance em questão se aproxima muito do butô, a dança japonesa da escuridão, que surge influenciado pelas vanguardas modernistas ocidentais e uma tradição ancestral japonesa, fincada nas relações com a terra, memória, sofrimento e finitude. Criada por Hijikata Tatsumi e Kazuo Ohno, o butô faz transparecer o peso e esforço de cada gesto: nenhum movimento é em vão, todo gesto importa. Cada movimento parece ser arrancado do corpo e da escuridão que o permeia, não há automaticidade ou fingimento; tal regime de visibilidade e potência expressiva faz do butô pura e total presença de si.

O butô não quer dizer através do corpo: parece querer diminuir o espaço da consciência, torná-la mais passiva e domesticada, para que o sensível amplie seu espaço e o corpo diga por ele mesmo, exprima-se e presentifique-se por inteiro. Tal como a performance de Maikon, onde o corpo não quer ser mero mensageiro de outra intencionalidade: na ânsia de ser pura presença, ser sua própria finalidade, explora o espaço e a escuridão do sensível, faz dilatar e recortar o regime temporal, abre fendas e abismos no visível do palco numa operação que faz gritar o invisível e o indizível; “entre a carne e a consciência há sempre o conflito, o interstício, a rachadura”, escreveu Kuniichi Uno sobre o butô de Hijikata. Também em Máquina Êxtase, era a sensação a força propulsora do gesto, a matéria externa era também pretexto para o corpo explorar a si próprio, descobrir-se e constituir-se através da alteridade, tateio errante pelos espaços entre a carne e a consciência.

No entanto, ao contrário do butô, que se alimenta de pedaços de memória sensível e busca reconstituir uma infância perdida reencarnada em existência deslocada, a performance de Maikon parece querer evocar a dessubjetivação, portanto a ausência de memória. Um ser esquisito que mostra a nós, civilizados do século XXI, aquilo que poderíamos ter sido, caso não tivéssemos adequado nossos corpos sensíveis, errantes e selvagens ao convívio com outros corpos errantes, inventando aquilo a que chamamos de sociedade. Nem o bom selvagem rousseauniano, nem o lobo hobbesiano, tampouco existência dividida cartesiana, Maikon mostra outro tipo de ser despido de consciência e civilização: corpo curioso e precário, pulsão de excesso, corpo sem órgãos deleuziano.

Em Máquina Êxtase o corpo foi induzido àquele estado por processos xamânicos, pedaços de corpos alheios engolidos garganta adentro. O xamanismo é tema que circunda os trabalhos do artista e não parece haver apropriação e desvirtuamento da significação do rito, pelo contrário: há inspiração no xamanismo como ponto de partida para problematizar a distância com os povos originários, seus modos de estar e sentir o mundo. Também não se trata de uma defesa ingênua e idealizada de uma situação perdida, mas sim a problematização do Mesmo através do contato com o Outro - tal como as mãos, uma segurando o pênis e a outra a perna da cadeira, assim sentindo e ressaltando diferenças, construindo um senso de eu a partir da alteridade.

Fato é que a performance de Maikon expõe um ser que está no interstício entre o racional e o espiritual, a carne e a consciência, o natural e o civilizado - e se está no meio, demonstra a insuficiência de tais oposições. O humano é existência que não se adequa a nenhuma categorização simples (embora tenham sido por ele inventadas), mas emerge de rachaduras e refuta maniqueísmos. Se não há que se falar em uma essência humana, também é inócuo pensar em um retorno ao Éden, um salvamento coletivo da espécie enquanto afundamos em problemas que nós mesmos criamos: a construção da ideia de civilização é que sustenta e cria, por oposição, a ideia de natureza, um produz o outro. Não é que não haja aquilo a que denominamos “natureza”, mas o nome é também invenção de um sentido e serve a um propósito; não é à toa que os yanomami não têm a palavra “natureza”, o mais próximo sendo urihi, “terra-floresta”, que denota algo vivo e pulsante. A exploração sobre como se manifesta a civilidade ilumina de que maneiras podemos lidar com o que nos resta de vivo.

Assim que a performance de Maikon, xamanismo “urbano” de artista brasileiro, ganha ainda outro grau de complexidade quando encarnada em terra lusitana, mesmo povo que séculos atra´s manchou o território além-mar de civilização, palavra que para o indígena significa derramamento de sangue, troca corpórea etnocida. Não é à toa que os pensadores de povos originários recusam o lugar da humanidade, se esta significa política de destruição e morte: os indígenas podem ser descritos como “extra-modernos”, o que implica uma não conformidade aos valores civilizacionais, afirmação de outra existência possível. Ailton Krenak, da ancestral etnia indígena Krenak, percebe a inominável doença que atualmente assola o mundo como um sintoma de uma civilidade doente, mal de um povo que cavou sua própria cova. Os povos originários sabem, há séculos, o que é lidar com enfermidades estranhas vindas de fora, doenças as quais não se sabe como agem no organismo, como evitá-las e controlá-las, e o homem em 2020 partilha da vulnerabilidade que tem o indígena desde seu contato colonial.

Máquina Êxtase: ritual contemporâneo antropofágico em que a saliva, metonímia do corpo, é combustível para transfiguração xamânica temporária em corpo decivilizado; um modo ficcional de desativação de consciência, das prescrições do corpo para contê-lo, antídoto à civilização doente. Maikon trouxe-nos um corpo que busca desmontar sua civilidade a partir de uma organicidade partilhada e digerida com os espectadores, tendo um suco de saliva compartilhada como droga ativadora de estados alterados de consciência.

Em fins de outubro, Maikon já demonstrava o quanto a civilidade é estado precário, e, evidenciando sua instabilidade, demonstrou que é possível desativá-la, parcialmente e temporariamente. A performance poderia ter sido ainda mais radical, no sentido de que o corpo poderia ter explorado ainda mais o estranhamento com as roupas, com a cadeira, com o público; mas isto é detalhe, sobretudo em se tratando de mostra de processo, o que implica que a obra está ainda em construção, embora já demonstre ter sido investida de estudo e conceito sólidos. De todo modo, a maturidade de Maikon enquanto artista que tem o corpo como matéria-prima é evidente e impressiona.

O humano é carne viva inserida em processos históricos e sociais contínuos; caímos de paraquedas em um mundo preexistente com suas regras e tabus e a ele nos adaptamos - mais ou menos, porque com resistências, repuxos, readequações, sofrimento. Mas se o mundo nos molda, também ele é moldado por nós; o que é possível é tomar consciência de alguns processos que nos atravessam, que modificam os corpos e os modos de perceber o mundo. Maikon conseguiu induzir tal tipo de processo catártico, de autoconsciência corporal que leva a um estranhamento do corpo a partir de lugares e atitudes banais - salivar, ingerir líquido, sentar-se, estar vestido - e conseguir tal efeito, sobretudo usando poucos elementos cênicos, demonstra grande domínio técnico e poético.

A partir da experiência do diferente, do abismo entre culturas, é que é possível reconduzir a máquina orgânica-social para pensar outras sociabilidades possíveis, até então perdidas ou sufocadas. A arte tem o sensível como campo de exploração, e ainda que não tenha finalidade específica, quando consegue perturbar, deslocar o sujeito no mundo, atinge um lugar importante, na medida em que afeta, movimenta o sensível.

Presenciar a mostra de processo de Maikon, performance ainda em desenvolvimento mas desde já demonstrando grande potência conceitual e afetiva, faz ansiar pela forma definitiva da apresentação. Ainda que seja muito provável e indicado que não conte mais com o rito inicial (a saliva comum compartilhada e ingerida como pontapé catártico), restam inúmeras possibilidades de explorar tal temática, sobretudo em um momento mundial de readequação dos corpos e sociabilidades para fazer frente a uma necessidade sanitária. Estamos à beira de um mundo novo, e há que se perguntar que corpos emergirão com a pandemia: acuados, controlados, afastados, fechados, vulneráveis - parece ser este o saldo sensível de tudo isto. Sem a possibilidade de prever os acontecimentos que sucederam Máquina Êxtase, Maikon trouxe-nos um pouco do que é o corpo precário e instável, recuado em civilidade.

Se o processo civilizador é contínuo e marca os corpos, seus modos de estar e interagir no mundo com outros corpos e espaços, expressões artísticas têm a potência não de interromper tais processos, mas de atravessá-los e problematizá-los, devolvendo um humano um pouco menos à deriva e mais consciente dos lugares que ocupa no mundo. Se a civilidade não pode ser desativada por completo, sua desativação parcial e temporária, como em Máquina Êxtase, prova-se de grande importância como checkpoint para avaliarmos a quantas anda nossa própria humanidade e nosso corpo no mundo.

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